Concertos com História #3: GNR em Alvalade
O ano é 1992. A data 7 de outubro, na ressaca de um verão quente, em que hinos radiofónicos como Sangue Oculto ou Pronúncia do Norte embalam o fim do cavaquismo. O país político está tão requentado como o país musical ao rubro. É a época de ouro da indústria, das platinas em catadupa e dos orçamentos faraónicos. Nascem rádios, jornais e revistas. A SIC – Televisão Independente acaba de ver a luz pela primeira vez a 6 de outubro de 1992.
No ecrã, no éter e nos jornais a música portuguesa fervilha. Os GNR são a banda do momento e, curiosamente, os Xutos & Pontapés, recordistas da maratona até hoje, passam por um período delicado de adição, dúvidas existenciais e concorrência interna dos Resistência – um dos fenómenos do ano. Mas há outros. Os Madredeus afirmam-se internacionalmente, os Sitiados estão em todo o lado com A Vida de Marinheiro, os Mão Morta estão a chegar a Budapeste, e há bandas como Rádio Macau ou Sétima Legião, a aproximar-se do fim do primeiro ciclo, mas ainda a colher os frutos de uma década a subir o elevador da glória, assim como outras como os Delfins na antevéspera do auge artístico (Ser Maior) e comercial (O Caminho da Felicidade e Saber Amar).
A música sai das garagens para a rua. Os GNR estão nas bocas do povo. Alvalade não é só um concerto, é acontecimento nacional. Pela primeira vez, uma banda portuguesa é a anfitriã de um estádio (alguns meses após, em 1993, repetirão o feito no Estádio das Antas, aí sim a jogar em casa). Por falar em épocas de ouro, é a era dos concertos de estádio: Guns N’Roses, Michael Jackson, Metallica, Santana, Bon Jovi, Depeche Mode, David Bowie e U2 em Alvalade,, entre outros. O Grupo Novo Rock intromete-se após um ciclo de ascenção do culto ao unanimismo nacional. Como explicar? Dunas, o improvável single de 1985. Psicopátria, um dos melhores álbuns pop do pós-25 de abril. Singles como Impressão Digital, Efectivamente, Pós-Modernos, Morte ao Sol ou Vídeo Maria. Cançōes da melhor cepa como Bellevue ou Um Desejo Chamado Eléctrico. O carisma e charme de Rui Reininho. Uma banda entre o pico criativo e o auge comercial. Concertos ainda hoje recordados como o da Alameda, em Lisboa, que resultou no álbum Ao Vivo. E, claro, todos os factores mencionados nos parágrafos anteriores.
Nem tudo foram Roses, porém. A poucos dias do concerto, a bilheteira é curta. O pânico inversamente proporcional. Cancelam ou não? Não, e o público, de Lisboa e de todo o lado, acorre em massa. 40 mil almas ao rubro a fazer coro pelo país – como o controlo não era rigoroso, estimam-se mais cinco a vinte mil de números reais. Pa-pa-ra-ra-ra, Quando o Telefone Pecca abre o concerto. Segue-se Acorda. Muda de figura, requisita um frenético Rui Reininho, misto da excentricidade de Bowie, a agilidade de David Byrne e o charme de Bryan Ferry. Tudo o que as pessoas queriam ouvir, têm direito.
São os GNR do rock de estádio, dos solos de Zezé Garcia, da pianada característica pós-Alexandre Soares, o guitarrista fundador e membro da “fase pós-punk”, quando tinham mais de Gang of Four do que de INXS. Não faltam os convidados imprescindíveis de Rock In Rio Douro: Javier Andreu, dos La Frontera, em Sangue Oculto, e Isabel Silvestre na arrepiante Pronúncia do Norte. Rui Reininho vai brincando com as palavras como quem bebe cerveja cá em baixo.
O concerto foi filmado pela RTP que o transmitiu através da RTP Memória no passado 7 de outubro de 2022, aquando do 30 aniversário. Para ver aqui