O rap revivalista chega a Portugal
A afirmaçāo de novas linguagens no rap, como o trap e o drill, a conquista do mercado, contrariando a resistência histórica da indústria, e a dessacralização de alguns dos valores primordiais do movimento, como a poesia ou o sample, criaram tensão e revolta na comunidade. Ou seja, por um lado o hip-hop democratizou-se, beneficiando das transformaçōes oferecidas pelo digital: a facilitação dos processos de criaçāo, a gravaçāo, e principalmente a distribuição e comunicaçāo permitiram contornar obstáculos históricos, assim como dar voz a quem não a tinha. Mas essa expansão partiu de dentro para fora, o que para uma comunidade tāo acérrima e bairrista foi uma facada. Ou várias, à medida que o hip-hop foi crescendo para fora dos seus limites clássicos, com novas ferramentas, sonoridades, personagens, narrativas, expressōes verbais e rítmicas. Os criadores perderam o controlo da criação e reagiram.
Se olharmos ao que se passou na história do rock há vinte anos, as causas e as consequências são as mesmas. O rock cresceu para os lados, normalizou-se e o efeito é conhecido. O surgimento de uma vaga de bandas revivalista do punk, da new wave e do pós-punk, ou seja correntes ligadas a uma ideia de raiz, pureza, protesto e contra-cultura resgatou o rock do balofismo do nu-metal e da inconsequência do pop/punk – alguns dos movimentos em voga no final dos anos 90/início dos 00.
Algo de muito semelhante está a acontecer no rap com colectivos como Griselda a ressuscitar o boom/bap fumado das ruas, muito parecido à cultura vivida pelos Wu-Tang Clan – eles que por fim se estreiam em Portugal este verão no Super Bock Super Rock. A vinda dos Wus insere-se num outro processo, complementar, de reconhecimento da memória do hip-hop. Lá está, dos arquitectos que ergueram os alicerces necessários para a cultura sobreviver à passagem do tempo.
Em janeiro, um dos pesos pesados do ressurgimento do rap de rua vinha a Lisboa. Estava tudo pronto no B.Leza para receber Westside Gunn quando a digressão foi cancelada na semana anterior. Em vez dele, veio o primo Conway The Machine, também ele um ilustre membro da Griselda, colectivo em que as palavras vêm embrulhadas em fumo sagrado e falam de tráfico, ruas e bairros, ego-trips, delírios e alucinaçōes.
Nos últimos meses, e nos próximos, esta liberdade está a passar por aqui. O experimentalista Pink Siifu apresentou Negro na Galeria Quadrum. A ZDB recebeu figuras como Fly Anakin, Navy Blue e Billy Woods. O liricista Oddissee, alguém a quem se reconhece virtudes líricas similares às de Kendrick Lamar, atua a 24 de abril no Plano B, no Porto, e na noite seguinte, no B.Leza.
Os Souls of Mischief celebram 30 anos de 93 Til Infinity a 6 de abril no B.Leza e a 7 no Plano B, enquanto o inabalável Roc Marciano se estreia a 30 de abril no Village Underground em Lisboa. Não se pode dizer que a hegemonia de um certo tipo de rap mais adolescente e dependente das regras do mercado não esteja a ser contrariado. Ao contrário do que acontecia num passado recente, Portugal já não espera dois anos para ver estes fenómenos in loco.
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