Concertos com história # 5: Michael Jackson em Alvalade
Michael Jackson em Alvalade. O sujeito e o predicado são tão irreais que nem o Chat GPT acertou na data, mas foi verdade. A 26 de setembro de 1992, a Dangerous Tour pisou o relvado do Estádio de Alvalade e esgotou plateia e bancadas. Um acontecimento nacional à escala de telejornal e manchetes de papel, quando os jornais ainda vendiam como cafés da manhã.
Eram cerca de 50 mil pessoas, recordava a promotora Ritmos & Blues, na hora da morte de MJ em 2009. 55 mil segundo os registos da digressão. Era também a era dos grandes concertos de estádio: Depeche Mode, U2, Prince, Pink Floyd, Bruce Springsteen, Sting, David Bowie, The Cure…Mas até entre estes, Michael Jackson era um nome maior. Provavelmente, o mais completo de todos os grandes gigantes da pop. E por isso, a Dangerous World Tour não era apenas um concerto. Era um espectáculo de arte total. De canto, dança, luzes, singles electrizantes, pirotecnia, e solos de guitarra. E crianças, convidadas a subir ao palco numa quarta fase de “humanismo infantil e panglobal”, descrevia a reportagem o Público, quando interpretou as baladas Will You Be There e Heal The World. Antes de MJ, “ou o sósia”, continuava o artigo assinado por Luís Maio, “sair em voo sobre a plateia” depois do clássico Man In The Mirror.
Era literalmente o momento alto da noite. Michael Jackson, o Rei da Pop, voava sobre a multidão e desaparecia.Nesta altura, os artistas eram inatingíveis. Existiam em disco, em palco e em entrevista. Depois, evaporaram-se. Não comiam, não bebiam, dormiam ou iam à casa de banho. Viviam noutra galáxia, eram intocáveis sem carne nem osso. Como não havia redes sociais, e toda a comunicação dependia do prato de vinil, leitor de CD, palcos ou meios de comunicação, os artistas, sobretudo os maiores, não eram humanos. E Michael Jackson, o adulto obcecado com a ambição, para quem sempre foi demasiado tarde para ter uma infância feliz, explorava essa hierarquia intangível para o comum mortal como nenhum outro.
A Dangerous Tour não foi a última digressão mas foi a derradeira no auge. O mundo haveria de desabar poucos meses depois quando surgiram as primeiras acusaçōes de abusos sobre crianças. Mas durante a volta ao mundo, actuou perante quatro milhōes de pessoas e angariou 100 milhōes de dólares para ajudar crianças e o “ambiente”, quando ainda não se falava de “transformaçōes climáticas”. Nenhuma destas preocupaçōes o ilibou perante a opinião pública. Foi o princípio do cancelamento que o haveria de levar à decadência física e artística, mas a memória de quem assistiu ao thriller de 26 de setembro de 1992 não pode ser apagada.