Liberdade para ser é liberdade para receber, aceitar e compreender
A minha liberdade continua onde a do outro começou. Na arte, há uma tendência natural para observar a questão do ponto de vista do criador. Criar é, antes de mais, um acto de liberdade. Uma pulsão, necessidade ou urgência que vem de dentro para comunicar com o outro. E o outro é uma entidade invisível que ganha rosto, corpo, expressão e cheiro num palco, numa galeria, numa instalação, numa sessão pública de perguntas e respostas ou, naturalmente, nas redes sociais.
Mas a liberdade não se esgota no processo criativo nem termina na obra final. É uma transmissão de pensamento, uma passagem de testemunho. Liberdade para ser é liberdade para receber, aceitar e compreender. Um concerto não se esgota em hora e meia, perdura horas, semanas, dias, vidas na memória de quem o viveu. Se assim acontece, é porque a memória tem espaço disponível para questionar e somar. A apreciação de uma obra não começa e acaba numa exposição. Prolonga-se na imaginação, perde cor, é restaurada e recompõe-se como nova. Ou quase. O acto nobre de ser livre é-o também do público que se interroga, sonha, dança, pula e canta. A criatividade é um espelho. Quem vê, ouve, observa e sente cria a sua própria narrativa.
Liberdade é ter permissão para estimular a curiosidade e querer saber mais. Ao longo da minha vida, ouvi milhares de álbuns e canções, vi centenas de concertos e filmes, dezenas de exposições, performances e espectáculos de teatro ou dança. Nem todos me marcaram, mas com cada um aprendi a compreender um pouco mais do outro, a aceitar a diferença, e a saber mais sobre mim. Devo bastante do que sou a todos os criadores que se puderam expressar em liberdade, sem outro condicionalismo que não a vontade própria.