Super Bock Super Rock: O regresso à casa de praia 

 

Já foi itinerante por Lisboa, já se dividiu entre a capital e o Porto, já teve um e três dias, e, quando na sua versão móvel, alongou-se por duas semanas. O Super Bock Super Rock é o festival português com mais formatos e moradas até hoje. Depois de no ano passado ter sido obrigado pela Protecção Civil a correr à frente do fogo e a reabitar o Altice Arena, onde residiu durante alguns anos, este ano não há volta a dar. O regresso ao Meco é certo.  É praia e sol ao longo de três dias de concertos. Um misto de festival de cidade com a época estival do Sudoeste. 

Já poucos se recordam mas o Meco tem a sua história dentro do Super Bock Super Rock. Há vinte anos, a Música no Coração organizava ali o Hype@Meco, festival de novas tendências electrónicas que trouxe nomes de peso como Bjork, Moby, Moloko e Herbert. O festival acabou por se mudar para Lisboa e não teve vida longa mas a semente do Meco ficou. E ali aconteceram algumas edições míticas do festival, sobretudo a passagem do vulto Prince em 2010 e o cartaz impossível de 2011 com Arctic Monkeys, Arcade Fire, The Strokes, Portishead,  Chromeo, Lykke Li, uns tais de Tame Impala, e, tal como este ano, James Murphy como faroleiro da noite. Lana Del Rey, Queens of the Stone Age ou Disclosure também constam das memórias inapagáveis do disco. 

Lançamos algumas hipóteses para este ano: 

Wu-Tang Clan 

Primeira vez em Portugal do colectivo. Chega? Várias tentativas depois, a entrada na galáxia Wu é real. Uma das bandas-suporte da cultura hip-hop, álbuns clássicos, personalidades icónicas, em colectivo e a solo, e um imaginário biográfico de sobrevivência e peripécias, digno de guião cinematográfico. Há uma Nova Iorque com código postal Wu-Tang Clan. 

Nile Rodgers e Chic 

Ao contrário dos Wu-Tang Clan, cuja estreia nunca passou de rumor e desejo, Nile Rodgers e os Chic estiveram confirmados para o  Rock in Rio. O cancro do qual o líder acabou por recuperar impediu o concerto mas, no ano do disco sound em festivais portugueses (Sister Sledge, Chic, Lizzo), esta é uma primeira vez imperdível. Para quem não sabe, Le Freak, Good Times. I Want Your Love e Everybody Dance são todas deles.  

Steve Lacy 

Steve Lacy tem mais do que uma canção, como quem já o segue desde os The Internet sabe, mas há uma canção a atrair para o guitarrista como um íman. É Bad Habit, inesperado êxito nos EUA, com várias semanas em primeiro lugar do top, depois de 13 semanas no top – várias em segundo. Algures entre Prince e Frank Ocean, eis um inesperado cabeça de cartaz, próprio da cultura de Internet.  

Kaytranada 

Magia na ponta dos dedos de um dos mais requisitados e identificáveis produtores dos últimos dez anos. Sem Aminé, com quem divide o satélite Kaytraminé, responsável pelo gelado de verão 4eva, com Pharrell Williams, mas com um manancial de canções frescas como 100%, Be Your Girl e What You Need, este é um duplo regresso: a Portugal, depois de ter assegurado a primeira parte de The Weeknd, há um mês, e ao festival, onde se estreou em 2019.  

Father John Misty 

Rock de nome e sobretudo de atitude. Como quase todos os festivais, o Super Bock Super Rock foi aceitando que os géneros são coisa do passado, mas não perdeu a costela indie. Uma parte importante da espinha dorsal, este ano encabeçada por Father John Misty, o homem de Bored In The USA, que não tem sido menos do que soberbo, e no ano passado se saiu com o sublime Chloë and the Next 20th Century, devedor de Sinatra. 

James Murphy 

Os LCD Soundsystem emergiram, terminaram no auge e regressaram. James Murphy é que nunca vendeu a colecção de discos no Discogs, embora não se imagine grandes mudanças na curadoria de disco, new wave, pós-punk e house aplicada a pratos de vinil. É ele, o homem dos LCD Soundsystem e da DFA como DJ no SBSR, treze anos depois de ter fechado uma noite endiabrada. 

Black Country New Road 

Em poucos anos, os Black Country New Road já têm muita história para contar. Assinaram pela Ninja Tune em 2020, fizeram suar paredes em 2021 com For The First Time, um dos melhores álbuns de rock apátrida em muito tempo, perderam o vocalista Isaac Wood, na semana da chegada Ants From Up There, no ano passado, e reformularam o repertório, sem perder fulgor, para Live At Bush Hall, a fotografia a sépia do que são hoje. 

Roísin Murphy 

Tem sido visita regular a Portugal e ainda no ano passado a vimos no Kalorama. A diferença para este ano é que há álbum novo a chegar. Hit Parade foi produzido pelo tropicalista house DJ Koze e afasta-se um pouco do calçado disco cintilante, para dar a Roísin Murphy folga da madrugada. Nem todas as noites têm de acabar de manhã e no SBSR vamos poder vê-la às 22h45. 

Sam The Kid com Orquestra e Orelha Negra 

Antes dos Wu-Tang Clan e de Nile Rodgers aterrar na pista com os Chic, Sam The Kid faz-se acompanhar dos Orelha Negra e de uma orquestra para revisitar um espólio essencial do hip-hop português, inabalável à passagem do tempo, e à chegada de novas geraçōes graças a um casamento perfeito entre a palavra e a música, alicerçado (só podia) no amor. 

Glockenwise 

Pode o rock participar na modernização do cancioneiro popular português que se tem vindo a assistir noutras regiōes de Pedro Mafama, aos Bandua, David Bruno ou Ana Lua Caiano? Um Sr. Disco chamado Gótico Português faz dos Smiths e dos My Bloody Valentine a matéria ruídosa trabalhada em Barcelos como se de uma peça em cerâmica de Rosa Ramalho se tratasse. Há margens, de várias maneiras.