A aldeia da música portuguesa

 

Quando o Bons Sons nasceu em 2006 “tinha tudo para dar errado”, afirmava o fundador e ex-director Luís Sousa Ferreira ao Observador em 2019, na antevisão da última edição do festival até à que principia no final desta semana. Hoje, é fácil enaltecer a visão de um grupo de jovens apaixonados pela aldeia mas há 16 anos foi uma lança não só em Tomar, como no panorama nacional. Entretanto, surgiram outros festivais apenas de música portuguesa ou lusófona, alguns de maior dimensão como o Sol da Caparica, mas este continua a ser um caso à parte.

Na música, há uma resistência assumida à lógica dos cabeças de cartaz, privilegiando-se nomes emergentes, com espaço para a memória do presente. Sem saudosismos. Este ano, por exemplo, tanto é possível reencontrar B Fachada, como assistir à celebração da segunda vida de Lena D’Água, escutar a voz que vem do fundo de Aldina Duarte, as avarias de Rui Reininho a solo com um disco que fecha um ciclo iniciado há 45 anos com a Anar Band, sacudir ao corpo ao som dos Bateu Matou, atestar o depósito e seguir viagem com David Bruno, ou apreciar a poesia preocupada das cançōes d’A Garota Não.

Há rock com os Pluto (a banda pós-Ornatos Violeta de Manel Cruz e Peixe, também eles ressuscitados), funk com Marta Ren, hip-hop da linha de Sintra com os Grog Nation, o neo-fado de Rita Vian, as Tarantinadas de Cabrita, o trovadorismo de André Henriques, o pan-africanismo lisboeta de Acácia Maior ou luta pela causa LGBT em forma de bairrismo moderno do Fado Bicha. Por falar em vidas depois da morte, o José Pinhal Post-Mortem Experience quer fazer do mito do cantor de música ligeira uma catarse colectiva. Entre vários outros, como os Cassete Pirata, Sebastião Antunes & Quadrilha, Criatura, Omiri, Maria Reis, Bia Maria, o Grupo de Gaitas da Golegã ou os Sunflowers. Em (quase) todos, reconhecemos uma busca pela identidade local no país global com wi-fi, redes sociais, Interail, companhias aéreas low-cost, programas de intercâmbio e residências artísticas.

O Bons Sons 2022 acontece de 12 a 15 de agosto, ainda e sempre sob o lema de “viver a aldeia”. O envolvimento da comunidade local, desde os mais novos a reformados, é um dos pilares do festival. São as pessoas de Cem Soldos quem faz o festival, desde a produção à cozinha, bilheteiras ou limpeza. Economia circular para um festival sustentável em todas as suas dimensōes. Em 2019, após uma enchente maior do que prevista com Salvador Sobral, Slow J e Selma Uamusse, a organização decidiu reduzir a lotação máxima em cinco mil pessoas para restituir o conforto perdido nessa noite.

“Crescer não é necessariamente ter mais pessoas, crescer é ter mais alcance e efeito, crescer a nível de público é reduzir a pertinência do festival”, defendia Luís Ferreira ao mesmo jornal. A aldeia está quase a sair para a rua, sem patrocinadores nem mecenas espaciais. Ergue-te ó sol de verão.

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