A nova 4G da música portuguesa
Que têm em comum Rita Vian, Silly, Ana Lua Caiano e Eu.clides? Muito. Talento, identidade, ética e honestidade. Ainda sem álbum editado, a selecção de esperanças é o escalão certo para os agrupar, mas o potencial já revelado está a bater à porta da certeza. E todos operam a título individual o que, sendo a norma dos últimos anos,é revelador da forma de operar de uma geração que explora e faz uso das ferramentas disponíveis de criação, gravação, distribuição e comunicação. Faça você mais com menos. A individualidade não esconde o esforço colectivo de um grupo de pessoas, mas a cabeça pensante em cada passo do processo é uma.
Nenhum dos quatro tem milhares de seguidores, nem está refém dos tiques e toques das redes sociais, apesar de ser esse o veículo primordial de expressão, comunicação e reconhecimento, quer do público, quer do próprio meio. Nenhum é filho da cultura de concursos, apesar de Rita Vian ter passado pela Operação Triunfo em 2010 para oferecer uma poderosa Rosa Enjeitada – no princípio era o fado, a palavra veio depois. Não é coincidência. Em qualquer um dos casos, a música vem de dentro como uma pulsão, um desejo individual de acção que possa ter impacto colectivo.
Rita Vian é a veterana do quarteto. Fez parte dos Beautify Junkyard e foi de tal forma impressionante em Carmen de Mike El Nite que se impunha dar o passo seguinte. Tem alma fadista e veia poética, mas o fado é coisa moderna e desinteressada do destino em Caos’a, EP de apresentação com que tem percorrido o país, incluindo alguns grandes festivais como o NOS Alive e o NOS Primavera Sound. Está rodeada de figuras como Branko e Dino D’Santiago, com quem retrabalhou O Primeiro Dia, de Sérgio Godinho. Apesar da importância da forma, a palavra é o testemunho do ser de Rita Vian. Uma virtude transversal aos quatro, contrariando o privilégio cada vez maior do ritmo no círculo da música popular.
Silly é a segunda das três mulheres representadas nesta escolha. Três quartos de representação feminina são sintoma e não acaso do número cada vez maior de mulheres a expressar-se através da música sem complexos de inferioridade. Açoriana, cresceu entre discos de Sérgio Godinho e MPB, antes de se mudar para o Alentejo. Há um ano, estreou-se com o promissor Viver Sensivelmente, do qual saiu o single Viver a Mil. Move-se entre a poesia do hip-hop e a escrita autoral de cançōes sem se deter em preocupaçōes musicais de género. A voz é terna e a escrita serena. O novo single Água Doce é um tributo aos Açores, onde o vídeo foi filmado. A relação entre espaço e tempo é determinante para a definir. Comparações com Slow J são frequentes e só a honram.
Eu.clides é um dos convidados de Viver Sensivelmente. Ele que já tem um contrato com uma multinacional, a Universal, e que vem cativando através de singles como Ira Pra Quê, Tempo Torto (produzido por Branko), e o mais recente Venham Mais 7 – uma das boas novas deste verão, apesar de ser uma canção sobre vazio interior e não de festa ou descompressão. Caboverdiano de 26 anos, cresceu em Portugal e a cada novo passo dá a entender que vem preencher um espaço entre a lisboa criola e um sentido universal de canção que o pode levar até ao existencialismo de Frank Ocean, por exemplo.
Ana Lua Caiano é um avistamento mais recente. Despontou nos últimos anos com o EP Cheguei Tarde a Ontem do qual tem vindo a desvendar vídeos reveladores de uma ideia total de arte que parte do discurso, usa a música como ferramenta central de comunicação, e estende-se à imagem. Tem expressão de naufrágio, mas as notícias do fundo são óptimas. Estamos perante uma artista distinta, e com potencial enorme de crescimento. No meio, já se sente um burburinho que irá certamente subir de tom nos próximos tempos. Um caso para continuar a acompanhar.
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