O que aprendemos com a morte de Sinead O’Connor

 

Durante anos, décadas mesmo, Sinead O’Connor deixou alertas. Primeiro, quando a imprensa era o veículo primordial. Depois, nas redes sociais. À medida que as lágrimas do vídeo de Nothing Compares 2 U caíam no alguidar da nostalgia de bolso, esses alertas passaram a ser gritos de desespero. Menos de um mês antes de ser encontrada morta em casa, mostrava o novo apartamento em Londres, sem conter a dor pela perda do filho no ano passado. Shane suicidou-se em janeiro de 2022 depois de ter escapado do hospital onde se encontrava internado devido a problemas de saúde mental.

 

Os avisos foram ouvidos? Sim, para a tratar como um bobo do espectáculo público. A sociedade levou-a a sério? Alguém se preocupou se a pessoa que deixou mensagens de tristeza e desesperança precisava de ajuda? Ou apenas era vista como uma famosa artista pop do passado numa espiral de decadência?

 

Sinead O’Connor escolheu o caminho mais difícil: o da franqueza. Declinou as regras do jogo da indústria. E era alguém com um quadro mental complexo. É exagerado culpar o teatro da sociedade pelo seu fim. como já o fora com Amy Winehouse, outro caso de incompatibilidade entre mediatismo e percepçāo públicas. Ambas têm algo fundamental em comum, no entanto: queriam apenas ser elas mesmas. Sem truques, nem artifícios. Não tiveram pejo em assumir as fragilidades. E por isso, acabaram sós. Como Kurt Cobain. Todos perderam o controlo sobre a sua exposição. Provavelmente, nunca pretenderam ser examinados para além da música.

 

A culpabilização colectiva post-mortem é apenas o ser humano a mover-se para o lado conveniente do tabuleiro. Tal como sucedeu com Amy Winehouse, às terças-feiras “a voz única” e às sextas a “bêbeda e drogada”. Lidar com o outro é compreendê-lo e tolerá-lo dentro dos limites sensatos de urbanidade. Mas o que se verifica é o oposto. Uma cultura cada vez mais individualista, de falsas ligaçōes, grupos sem conexão e redes de interesses pessoais que nos deixam cada vez mais sós e frágeis colectivamente. Empáticos, mas não perante a diferença. E só se houver muitas partilhas.

 

Obrigado pelas eternas memórias, Sinead O’Connor.