Fado, tradição em movimento

 

Diz que o fado é tradição. Será apenas isso? A propósito do álbum “Aurora”, em que Gisela João importa electrónica atmosférica para prostrar o lamento, alguém perguntava: é fado? Talvez a resposta mais sensata seja: e porque não?

Tal como há vinte anos, quando uma nova geração de fadistas, personificada por Mariza, Mafalda Arnauth, Cristina Branco, Katia Guerreiro e Ana Moura, superou o trauma da morte de Amália Rodrigues reconstruindo o fado tradicional com novas palavras, roupagens sonoras e uma imagem renovada, o fado volta a fazer parte da mudança. Talvez seja um desfado, como escrevia Pedro da Silva Martins para a voz quente de Ana Moura. “Quer o destino que eu não creia no destino/E o meu fado é nem ter fado nenhum/Cantá-lo bem sem sequer o ter sentido/Senti-lo como ninguém, mas não ter sentido algum”, diz a letra com humor e ousadia. Talvez seja inconsciente como em Conan Osiris. Ou parte de uma revisão histórica dos símbolos da portugalidade menosprezada, como assume Pedro Mafama enquanto rema contra a maré por este rio abaixo. Fado e beats digitais apartados? Há muito que não. Talvez o motivo seja poético e emocional, como para Rita Vian. Ou talvez seja uma reacção ao que não se ouviu. Silêncio, que se vai ouvir Fado Bicha. A dupla formada por Lila Fadista e João Caçador é muito bairrista mas pouco tradicionalista e assume a defesa da comunidade LGBT no álbum de estreia Ousadia.

O fado não é excepção à democratização. Por um lado, fotografa através da sua música uma época telemóveis, auto-tunes e diálogos com um Portugal em processo de exame à consciência, debatendo questões identitárias como a racialidade e a identidade de género. O fado é parte importante de uma consciência renovada sobre a portugalidade em que as tradições sāo determinantes para a modernidade. Por outro, é Património Imaterial da Humanidade de há dez anos para cá, tem honras de Museu e todas as noites se canta. N’O Clube de Fado, na Mesa de Frades, no Senhor Vinho ou na Adega Machado. Casas que diariamente serviram e continuam a servir de laboratório para algumas das vozes mais profundas. Os históricos, os consagrados e os emergentes. Espectáculos diários como o Fado In Chiado, em Lisboa, ou o Fado No Porto por Casa da Guitarra revivem a história do fado tradicional através do seu repertório clássico, bem no centro das duas maiores cidades portuguesas. E festivais como o Santa Casa Alfama sintetizam escolas, gerações, cantores, músicos e poetas. 23 e 24 de setembro são as datas já confirmadas para este ano. Dulce Pontes, Ricardo Ribeiro e António Zambujo, numa homenagem a Max (1918-1980), são os primeiros nomes anunciados.

O que é o fado? Uma emoção que nasce do fundo traduzida numa melodia característica. Ė um organismo vivo que tanto pode guardar uma memória nas palavras, como representar a actualidade. Tudo isto é fado, e nem sempre é triste.

 

Bilhetes de Fado em baixo:

Festival Santa Casa Alfama – https://www.seetickets.com/pt/event/santa-casa-alfama-2022/varias-salas/2331876 

Fado in Chiado, Lisboa – https://www.seetickets.com/pt/tour/fado-in-chiado

Fado by Casa da Guitarra, Porto – https://www.seetickets.com/pt/tour/fado-by-casa-da-guitarra-porto