Pancada central

 

A complexidade do ecossistema da música torna-o interdependente dos restantes sectores da sociedade. Sobretudo da economia, ao contrário do que sucede por exemplo com o futebol em que bons resultados das equipas maiores trazem invariavelmente mais adeptos ao estádio. E se a qualidade do jogo for boa, até pode ser que a lotação esgote.

Depois de um verão eufórico, de “consumo de revolta” contra dois anos de restrição, o que aí vem é uma grande incógnita. O cenário de recessão na economia, em particular na europeia, não anuncia nada de bom. As notícias de cancelamentos de digressōes de artistas médios sucedem-se a um ritmo semanal. No início da semana, Santigold anunciava não ter condiçōes para apresentar o novo álbum Spirituals nos EUA por inviabilidade. Financeira e também mental, porque depois de dois anos de pausa forçada e regressos adiados, com pouco ou nenhum rendimento, as mazelas são inevitáveis. Nas últimas horas, foi a vez dos Metronomy cancelarem a volta pelos EUA. E há também ecos de festivais cancelados, ou em risco. Os efeitos da guerra, a consequente subida no preço dos combustíveis, nos alimentos, e nas rendas – a inflacção – teria inevitavelmente de produzir consequências. O verão derreteu os problemas, mas assim que a temperatura desceu, o impacto chegou à música popular.

Para 2023, os promotores dos grandes festivais consideram inevitável a subida do preço dos bilhetes para garantir a exigência dos respectivos cartazes. Por outro lado, a procura por alguns dos concertos de maior cartaz tem sido esmagadora: Coldplay, Harry Styles, Rammstein. Por norma, os grandes nomes, consagrados ou mais novos, não sofrem. Nem os bilhetes mais caros ficam por comprar. O que pode estar em causa para os próximos tempos é a sobrevivência de uma “classe média” da música popular, formada por músicos, promotores, agentes e toda uma cadeia operacional que vive de contas certas.

Na última década, o fenómeno da democratização e a multiplicação de festivais e circuitos trouxe novas possibilidades de independência e sobrevivência. Mas depois do soco no estômago desferido pela pandemia, nova pancada pode tornar-se irreversível para muitos dos que vivem do sonho ou alimentam fazer da utopia modo de vida.